O axioma da internet
by blog@helenaklang.com
A Era da Internet pressupõe o compartilhamento do conhecimento produzido pelachamada Sociedade de Rede (Castells, 2001). Foi para trocar informações e descobertas dabig science que pesquisadores americanos desenvolveram os métodos de interconexão entrecomputadores. Liberdade e cooperação são premissas fundamentais da Internet porque são osvalores básicos da cultura que a criou: “a cultura da internet é a cultura dos criadores dainternet.” (ibid:34)A internet começou a nascer no final da década de 50. Nos primórdios, era uma rede decomunicação entre universidades - os primeiros pontos de conexão - cujo o objetivo eraproporcionar o compartilhamento de descobertas científicas e tecnológicas que garantissem asupremacia militar americana frente a seu oponente político: a União Soviética. Para investiralto num projeto bastante vultuoso – daí o termo big science – não havia estímulo maior: aGuerra. Assim surgiu o programa Arpanet, dentro da agência ARPA - Advanced ResearchProject Agency – pertencente ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos. A vontade devencer teria estimulado as elites de pesquisadores, as tecnoelites (Castells, 2001) - para quema tecnologia era um instrumento que permitiria ao homem o controle do mundo - a sesuperarem, formando uma nova rede interdisciplinar de produção científica.. A Guerra Friafoi a principal força motivadora para a criação da internet.Para Castells (2001:34), a cultura da internet se apresenta em quatro dimensões: a cultura tecnomeritocrática, a cultura comunitária virtual, a cultura empresarial e a culturahacker.
Estas dimensões também permeiam o raciocínio de Fred Turner (2006), que apresentao conceito de complexo industrial-militar, formado pela academia, o exército e a indústria.Há muita confusão a respeito da definição de hacker. Ao contrario do senso comum, umHacker não é aquele que invade e corrompe sistemas eletrônicos de acordo com interessesobscuros (roubo, fraude, etc.). Este seria o cracker, que utiliza sua inteligência e criatividade aserviço de atividades criminosas. Na verdade, os hackers surgiram nos anos 60, eram osperitos em programação que atuavam nos ambientes de inovação acadêmica pela construçãoda internet, e que cultivaram os valores e crenças específicas, a cultura hacker.
A cultura hacker surgiu no contexto tecnomeritocrático acadêmico onde o mérito resultada contribuição do desenvolvimento científico para o progresso da humanidade. Atecnomeritocracia se fundamenta “na tradição acadêmica do exercício da ciência, dareputação por excelência acadêmica, do exame dos pares e da abertura com relação a todos osachados da pesquisa” (Castells, 2001:37). A cultura comunitária virtual que se estabeleceuem prol do compartilhamento tecnológico fazia o conhecimento transitar pela rede. Asdescobertas eram compartilhadas entre os agentes deste complexo militar-industrial:acadêmicos, militares e as corporações que produziam todo o aparato bélico necessário parasuperar os russos, como armamentos, submarinos e aeronaves.
Metáfora ComputacionalSegundo Turner, o envolvimento direto de militares não significava cerceamento. Ospesquisadores da big science, provenientes de múltiplas disciplinas, tinham bastante liberdadepara criar: “entre os vários profissionais, particularmente entre os engenheiros e designers,empreendedorismo e colaboração eram normas e a independência intelectual era fortementeencorajada”. (Tuner, 2006:18). O funcionamento da rede, no âmbito da técnica revela aigualdade (de poder) e diversidade (de origens, idéias) entre os pares: não havia um servidorcentral no comando, os pontos era conectados entre si, peer-to-peer, no que se convencionouchamar Rede P2P.
A Universidade, ao produzir conhecimento, o insumo necessário para a supremacia
americana, havia se transformado numa máquina na qual a informação era o bem mais
valioso:
Este mecanismo servia a dois propósitos: primeiro, citando o estudo recente do economista
Fritz Machlup7 sobre a crescente importância da informação para a economia, Machlup
argumenta que a universidade gerou novos conhecimentos e novos trabalhadores para a
emergente “sociedade da informação”. Neste sentido, tanto o economista quanto seus alunos
concordaram que a universidade era uma máquina de informação. Segundo, ele sugeriu que
esta máquina tinha um papel singular durante a Guerra Fria. “ Intelecto se tornou um
instrumento de propósitos nacionais” ele escreveu, “ um componente do complexo militarindustrial.” (KERR apud TURNER, 2006:12)
Mas do que mero instrumento, a tecnologia exercia papel central na linguagem
simbólica que surgiu durante a segunda guerra mundial. A metáfora computacional emergiu
dos experimentos científicos americanos, quando Franklin Roosevelt foi convencido pelo
então professor e administrador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Vannevar
Bush, a criar o Comitê de Pesquisa pela Defesa Nacional (National Defense Research
Commitee) que ficaria a cargo do professor. O comitê8
consumiu por volta de 450 milhões de
dólares no desenvolvimento de tecnologias de guerra (Turner, 2006:18). Terminada a guerra,
os centros de pesquisa cultivavam a metáfora computacional ao ponto desta figurar entre
diversas áreas do conhecimento científico, como explica Turner citando Paul N. Edward9
:
Assim como demonstrou Paul Edward, os computadores tinham um papel central neste
período, tanto instrumental como simbólico. Em Washington, os estrategistas do governo
usavam computadores para modelar os efeitos possíveis de um holocausto nuclear na Dakota
do Norte, Alaska, e em outros lugares, as forças aéreas geralmente usavam computadores para
rastrear ataques em potencial nos Estados Unidos. Em ambos os casos, o planeta havia se
transformado num sistema fechado de informações sob o controle e o comando militar. Ao
mesmo tempo, psicólogos cognitivos passaram a imaginar o cérebro humano como uma forma
de hardware digital e sua atividade como uma forma de software, o raciocínio seria um tipo de
computação e a memória uma simples questão de armazenamento de dados. (Turner, 2006:16)
Síndrome IBM
Alunos da Universidade de Berkeley, na Califórnia, acreditavam que a transformação da
academia em uma máquina de informação estaria comprimindo sua natureza complexa e
criativa “to the two-dimensional dullness of an IBM card” (Turner, 2006:12). Em artigo
publicado no Journal of American Culture, Steven Lubar10 sugere que os cartões perfurados
da IBM se tornaram “não só um símbolo para o computador mas um símbolo de alienação.
Eles revelavam abstração, simplificação exagerada, desumanização. Os cartões pareciam
retratos bidimensionais das pessoas [..] Passaram a representar uma sociedade onde máquinas
eram mais importantes que indivíduos.”
O movimento de contracultura Free Speech, que emergiu nos anos 60 naquela
instituição liderado pelo estudante Mario Sávio, protestava contra a mecanização e pré-
programação da vida, contra o que chamava de “síndrome IBM”. Para o Free Speech, a
academia, o exército e o cartão perfurado da IBM eram um espelho do outro (Turner,
2006:12). Sob os slogan “I am a student. Please do not fold, spindle, or mutilate me”, uma
apropriação dos termos de uso presentes nos cartões IBM, os protestos denunciavam a
manipulação da universidade e a incorporação da lógica operacional militar nos centros
acadêmicos.
Para continuar a lêr acesse aqui